26 de abril de 2011

Checoslováquia

Miró

“I saw sparks”- Coldplay
Ela pensou:
- Não se desbota. E sem querer pronunciou baixinho aquele pensamento através de fonemas não tão bem codificados quanto os pensamentos.
Então, ele perguntou:
- Como? O que você disse?
Estavam os dois caminhando de mãos dadas. Juntos, mas perdido cada um em planetas diferentes, contagiados por pensamentos de galáxias distantes. E ela, como que acordando bruscamente de um sono profundo disse:
-Eu disse que... Deixa pra lá. Tá, ta eu tava pensando que meu amor por você não desbota nunca. Cada lembrança sua que guardo em minha memória tem uma cor, tem um som.
-Até mesmo os momentos ruins? Questionou ele intrigado.
-Simmm. Estendeu o som da sua resposta como se fosse muito óbvia aquela conclusão e continuou. Guardo comigo, por querer e por não querer cada pedacinho dos momentos que já dividimos e até aqueles que são somente meus, mas que gasto pensando em você. E isso me faz acreditar que pensar em nós sempre tão relacionados a alguma cor ou som faz do nosso amor tudo menos insignificante ou apático. Não é insípido, não é incolor ou inodoro.
-Entendo, entendo. Você às vezes tem ares de bruxa. Pensa em coisas tão loucas que me assusta, mas que fazem inteiro sentido para mim. Você sempre faz sentido para mim. Nunca consigo deixar de encontrar em você mensagens que eu possa ler. É como se meu escritor preferido tivesse te criado e inventado nossa história.
-Seria esse escritor... Deus?
- Não sei. Para mim Deus está sempre ocupado demais para pensar em detalhes minúsculos como você e eu perante todo esse mundo gigantesco. Não sei se Ele teria paciência para tanto. Para criar essa teia de acontecimentos que aos poucos tomam forma e a vida parece por alguns segundos fazer todo sentido. Como um plano ensaiado cansativamente.
-Embora ame os existencialistas e até acredite que parte do que chamamos de vida está sobre nossa rédea, sei que há também uma força invisível que nos absorve e nos deixa absortos diante do desenrolar de nossas histórias. Acredito que mesmo que inconscientemente em algum dia eu escolhi seguir você ao invés de qualquer outro e claramente para minha felicidade você escolheu também me seguir.
- Se não um de nós seria parcialmente ou completamente infeliz sem o outro. Outro dia estava pensando em Milan Kundera e então, lembrei que ele é tcheco e que provavelmente escreve seus livros em tcheco, então pensei meu Deus, mas quem quer aprender tcheco? Mas em algum lugar, alguém estuda, aprende e se dedica a traduzir os livros dele, para que os livros, um dia possam chegar até as nossas mãos e nós possamos nos deliciar com aquelas palavras belas, mesmo que tenham sido trazidas até de segunda ou de terceira mão. Ou seja, por mais louca que a escolha de alguém pareça, em algum lugar, em algum canto remoto está o sentido dela.
-Sei. Por mais doloroso que seja às vezes fazemos escolhas que nos ardem, machucam, mas acreditamos de alguma maneira que aquela é senão a melhor, no mínimo a que deve ser feita. Mas, afinal será que eu escolhi amar você? Ou nada do que estamos falando tem a ver com amor.
-Tem sim, em algum lugar existe uma explicação. Tudo sempre faz sentido. Basta ler nas entrelinhas.
Calaram-se novamente os dois. E dessa vez estavam no mesmo lugar, no mesmo planeta, na mesma galáxia, no mesmo corpo e dividiam generosamente a mesma alma.

Ananda Sampaio***

3 comentários:

Cynthia Osório disse...

em algum lugar está o sentido, quem sabe na 'checoslováquia'... é querer encontrá-lo!

Anônimo disse...

Muito lindo amor! Ficou realmente muito bom esse texto...
Te amo!!
Filho

Luciana Lís disse...

heráclito de éfeso ou parmênides. o devir ou a permanência?
nunca seremos os mesmos ou algo nunca muda?
escolhemos e somos escolhidos, e no fundo, sempre faz sentido...
É uma loucura vivermos, amadurecermos e surgir ainda mais questionamentos...


o texto tá lindo!
te amo!
=***