Era território neutro. E de repente deparei-me com aquele
rosto. Aquela face que eu já tinha esquecido e já quase não povoava meus
sonhos. Por obra do acaso, lá estava ela.
Distraída lendo um jornal, óculos de grau e aquele ar de seriedade. Mas, já era possível encontrar nas expressões o peso do tempo, das escolhas... Os sulcos estavam bem marcados, olhos cansados, as retinas opacas.
Distraída lendo um jornal, óculos de grau e aquele ar de seriedade. Mas, já era possível encontrar nas expressões o peso do tempo, das escolhas... Os sulcos estavam bem marcados, olhos cansados, as retinas opacas.
De Nuno Bernardo |
Enquanto eu observava aquele rosto, ele me ignorava. Lembrei, então das noites que sonhei com ele. Rememorei gestos - sempre tão claramente decifráveis.
E hoje, por mais que vasculhe aquelas feições elas não tinham mais aquele significado pra mim.
Enquanto eu me ardia em observações estava ela impassível. E mesmo assim eu tinha impressão de que ela me acusava.
E hoje, por mais que vasculhe aquelas feições elas não tinham mais aquele significado pra mim.
Enquanto eu me ardia em observações estava ela impassível. E mesmo assim eu tinha impressão de que ela me acusava.
Estava de malas prontas pra retornar ao
conforto do meu lar. Depois de um exaustivo congresso de Antropologia. Sempre
gostei de habitar o mundo alheio, para assim medir o meu. Gostava de me sacrificar
em nome de ressignificar minha vida.
E hoje estava ali um estilhaço de uma época. Um retrato que não me pertencia.
Mas não será nosso rosto mais de quem o vê? E não de quem o porta?
E hoje estava ali um estilhaço de uma época. Um retrato que não me pertencia.
Mas não será nosso rosto mais de quem o vê? E não de quem o porta?
Era aquele rosto envelhecido uma frágil migalha. Um objeto comprovativo e pobre da minha existência.
Daquela boca saíram palavras que me
fizeram rir e chorar. E hoje para mim era apenas um espaço vazio, prova de uma guerra
passada e bem vivida. Estava aquele rosto, esperando para embarcar ou estaria
como eu a caminho de casa?
Pensei em ir. Quem sabe devesse cumprimentar e dizer:
- Eu ainda existo, sabia?
Que ridículo seria. Rio da minha própria capacidade de ser
tão piegas. Só você Marília! Que pessoa egocêntrica... Vou deixá-lo
ali, à margem da minha própria expectativa, à margem da minha própria vida.
Aquela face não tem quase nada de familiar.
“Última chamada do vôo para”
E assim, deixei estático aquele rosto. Com um jornal nas
mãos e olhos cada vez mais míopes...
Ananda Sampaio***
2 comentários:
incrivel como toda vez q eu visito teu blog encontro alguma coisa, algum trecho, algum som, alguma frase que parece feita para mim... Douglas
ela deixou o rosto estático. e o rosto quem dirá se ficou mesmo estático? somos mesmo feito dos e nos outros, tipo "eu não sou eu nem sou o outro sou qualquer coisa de intermédio" do Mario de Sá-Carneiro. Enfim, é tudo muito bonito e significativo nesse texto!
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