10 de junho de 2015

Quase certeza [Conversa de bar]




Sou o que sou, matéria apartada do ventre da minha mãe. Mais uma artéria por onde percorre o mundo. Pedaço milimétrico de incertezas.

- Todas as manhãs quando acordo um sentimento de estranheza me persegue. Me jogar debaixo daquele chuveiro gelado, vestir aquela roupa me parece a coisa mais idiota a se fazer. Olho pro lado e vejo um mundo repleto de caos nas relações humanas, no acúmulo absurdo de dinheiro e na insanidade que alimenta as pessoas que guardam tantos objetos. Nada faz sentido, são muitos os sentidos, mas eles não me dizem nada. O mundo está um caos e todo dia as pessoas seguem seu caminho em linha reta. Como se a vida fosse uma linha reta. Preciso controlar minha loucura, preciso permanecer insano.

Quem disse isso foi Camilo, meu amigo, sentado na mesa do bar perto da universidade. Enquanto contávamos os trocados quase preocupados com a conta. Eu escutava e sabia que tudo que me dizia eu entendia. Já tinha sentido uma sensação de vácuo por alguns momentos. Enquanto ia pro trabalho, enquanto me obrigava a cumprir uma tarefa porque a sobrevivência é minha imperatriz.

E sentar ali, na mesa daquele bar solitário, fazia todo sentido. A cada gole, copo que deslizava pela minha garganta mundos de significados emergiam diante de mim. Eu, apenas mais uma molécula do mundo, sabia que talvez o único dia dos meus dias que trazia para mim alguma mensagem eram aqueles que eu me deixava ali. O álcool a estremecer meu sistema nervoso e provando pra mim que a sobriedade pode ser uma prisão de segurança máxima.

Ele olhava profundo pro fundo do copo americano enquanto eu dizia:

- Eu sei, eu sei. Mas, como disse Renato, palavras são erros. Mesmo que exista um desejo louco de gritar ao mundo sua total incoerência não haverá palavras, meu amigo. Não haverá. Ficamos por meio tempo presos no tempo verbal do absurdo. E as palavras são nossos grilhões. Estamos ligados a elas. Você e eu, súditos.

- Preciso persistir, disse ele. Quem sabe exista em mim o bom selvagem – para quem tudo é simples e se explica. Quem sabe preciso apenas procurar outra forma de ser.  A forma fórmula de ser um vencedor. Com os dentes sempre a mostra, não como sinal de ameaça, mas de sorriso farto.

- Eu estou farto e quase infarto. Embora saiba que amanhã meu coração parecerá pronto pra outra e tudo que tenho  que fazer é ir para a parada e pegar meu ônibus lotado na hora certa. E, de repente tudo parece fazer sentido de novo.


- Esquecer. Vivemos de esquecimentos para não morrer de memórias. Amanhã talvez nem lembre dessa conversa. Amanhã meu corpo terá se livrado do álcool e vou ter uma quase certeza de que me contenho e que esse copo de cerveja é apenas um copo de cerveja. E que não houve descoberta e que tudo foi conversa de bêbado.

Ananda Sampaio

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