Sou o que sou, matéria apartada
do ventre da minha mãe. Mais uma artéria por onde percorre o mundo. Pedaço
milimétrico de incertezas.
- Todas as manhãs quando acordo
um sentimento de estranheza me persegue. Me jogar debaixo daquele chuveiro
gelado, vestir aquela roupa me parece a coisa mais idiota a se fazer. Olho pro
lado e vejo um mundo repleto de caos nas relações humanas, no acúmulo absurdo de
dinheiro e na insanidade que alimenta as pessoas que guardam tantos objetos.
Nada faz sentido, são muitos os sentidos, mas eles não me dizem nada. O mundo
está um caos e todo dia as pessoas seguem seu caminho em linha reta. Como se a
vida fosse uma linha reta. Preciso controlar minha loucura, preciso permanecer
insano.
Quem disse isso foi Camilo, meu
amigo, sentado na mesa do bar perto da universidade. Enquanto contávamos os
trocados quase preocupados com a conta. Eu escutava e sabia que tudo que me
dizia eu entendia. Já tinha sentido uma sensação de vácuo por alguns momentos.
Enquanto ia pro trabalho, enquanto me obrigava a cumprir uma tarefa porque a
sobrevivência é minha imperatriz.
E sentar ali, na mesa daquele bar
solitário, fazia todo sentido. A cada gole, copo que deslizava pela minha
garganta mundos de significados emergiam diante de mim. Eu, apenas mais uma
molécula do mundo, sabia que talvez o único dia dos meus dias que trazia para
mim alguma mensagem eram aqueles que eu me deixava ali. O álcool a estremecer
meu sistema nervoso e provando pra mim que a sobriedade pode ser uma prisão de
segurança máxima.
Ele olhava profundo pro fundo do
copo americano enquanto eu dizia:
- Eu sei, eu sei. Mas, como disse
Renato, palavras são erros. Mesmo que exista um desejo louco de gritar ao mundo
sua total incoerência não haverá palavras, meu amigo. Não haverá. Ficamos por
meio tempo presos no tempo verbal do absurdo. E as palavras são nossos
grilhões. Estamos ligados a elas. Você e eu, súditos.
- Preciso persistir, disse ele.
Quem sabe exista em mim o bom selvagem – para quem tudo é simples e se explica.
Quem sabe preciso apenas procurar outra forma de ser. A forma fórmula de ser um vencedor. Com os
dentes sempre a mostra, não como sinal de ameaça, mas de sorriso farto.
- Eu estou farto e quase infarto.
Embora saiba que amanhã meu coração parecerá pronto pra outra e tudo que tenho que fazer é ir para a parada e pegar meu
ônibus lotado na hora certa. E, de repente tudo parece fazer sentido de novo.
- Esquecer. Vivemos de
esquecimentos para não morrer de memórias. Amanhã talvez nem lembre dessa
conversa. Amanhã meu corpo terá se livrado do álcool e vou ter uma quase
certeza de que me contenho e que esse copo de cerveja é apenas um copo de
cerveja. E que não houve descoberta e que tudo foi conversa de bêbado.
Ananda Sampaio
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