3 de outubro de 2008

Uma garotinha


Bica no quintal, sede de viver tudo
E o esquecer
Era tão normal que o tempo parava
Tinha sabiá, tinha laranjeira,
tinha manga rosa
Tinha o sol da manhã
E na despedida tios na varanda,
jipe na estrada
E o coração lá
(Milton Nascimento)

Era uma garotinha apenas. De cabelos escorridos, olhos miúdos, pernas finas e pés encurvados levemente para dentro formando um arco. Adorava andar de bicicleta e banhar de piscina, mas preferia andar a cavalo e banhar de riacho naquela fazendo do avô. Gostava dos finais de semana e das férias que gastava na casa da avó, quando se encontrava com todos os primos e juntos nunca sentiam tédio. Junto a prima invadia o quarto da avó e se aponderava dos tamancos, das bolsas e dos gigantescos e coloridos colares que enrolava ao redor do fino pescoço. Sentavam-se assim as duas e fingiam viver dilemas de adultos. É importante ressaltar que tinha também os lábios cor de carmim.

Numa destas longas tardes de brincadeira e sol, faltavam apenas dois dias para o aniversário dela. Então, de repente alguém lá do portão gritou o nome dela. E a minina naquela ansiedade infantil correu sem calcular espaço nenhum. E se deu conta de que estava lá parado em frente ao portão uma figura que conhecia bem.Estava ele a sua procura. O pai. Com as mãos enlaçadas atrás das costas, deu um sorriso e estendeu de repente a mão. Era pequeno o que estava ali, na mão dele. Uma cadelinha, linda deve ser dito. E a garotinha num impulso frenético acolheu a cadelinha nas mãos. O pai disse que era o presente, é... pelo aniversário que já estava a beira de chegar.
E a felicidade parecia um soco, era tão violenta e totalmente inesperada que lembrava um soco no estômago. Mas, é preciso dizer que era uma sensação majestosamente boa, confuso não? E num instinto totalmente materno e mamífero ela , a garota ofereceu a pequenina cadela leite. Muito leite. Num sorriso nervoso, entre cheiros e afagos e coração acelerado. Que presente poderia ser melhor??! Era uma dálmata, embora ainda não tivesse as pintinhas pretas, que mais tarde apareceram e enfeitaram a pelagem antes alva, na brincadeira de cores: preto e branco.
A menina não existe mais, deu lugar a uma mulher. Mas, ainda por alguns momentos de pura distração, os olhos dela ainda se perdem em um horizonte sem direção. E ela lembra indubitavelmente doa lembranças, simples faíscas. E ela, agora já mulher pergunta-se se mudou por completo, sente que alguma coisa do que fora ainda mora nela. Ainda a furtiva inocência, ou quem sabe os olhos ainda brilham exatamente como antes. Ah..ela ainda gosta de cachorros e o pai ainda gosta de lhe fazer surpresas.
E ela gosta do que ficou para trás e acena para o que ainda está por vir. Mas, o que será que mudou? E o que será que ainda cisma em permanecer? A essência do que era talvez ainda perfume a flor que ela ainda é. Mas, uma coisa precisa ser dita...os aniversários não são mais os mesmos. Disso, ela tem certeza.


Ananda Sampaio***

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