21 de novembro de 2008

Uma prece





Eram imprecisos. Os movimentos estranhos, a boca amarga e reta e os olhos que não desejavam encarar-se... Ela disse adeus e ele consentiu, embora não quisesse e não suportasse a idéia de não mais tê-la por perto. As mãos soltaram-se e ela caminhou, caminhou para um lugar que não sabia onde. Ele era o lugar que ela queria ficar. Odiava despedidas, rodoviárias e aeroportos, terra de ninguém e de todo mundo.


Não quis olhar para trás, sabia que doeria demais, e talvez ao vê-lo com os olhos marejados voltasse correndo para aqueles braços que até alguns segundos atrás eram seus. Seria pior, dificultaria as coisas. Já tinham conversado muito sobre isso , combinado que facilitariam ao máximo o vôo do outro. Prometeu nunca mais amar, não não! Doia demais e o coração dela seria para sempre dele, ela sabia disso. Não adiantaria, jamais conseguiria expugar-lo de si mesma. Chorava, chorava e cada passo era um impacto lá dentro, era uma chaga que se abria.


E as lembranças, onde guardaria? a aliança de noivado com o nome dele escrito? Jogaria no mar? Não sabia... Os sonhos, os planos e os filhos que nunca teriam, ela acabara de abortá-los antes que sequer existissem de fato. Sentiu-se cruel, crudelíssima consigo mesma. E a raiva veio num impulso louco, a raiva do mundo, a raiva da vida que acabara de escapar das mãos dela. Ela amava e demais e muito. Por quê tinha que ser assim?


Eram os compromissos, ele tinha que estudar, ir embora. E ela jamais arrancaria dele as oportunidades que surgiam. Ele merecia, tinha batalhado por isso. Então, ela por um amor sublime renunciou-o porque o amava demais para vê-lo mais tarde frustrado. Deixara ele ir, folha levada pelo vento. Era a vida, é o que é.


Amava-o mais que a si mesma, mais do que imaginava. Jogou pela janela as risadas gostosas que sempre compartilhavam, os beijos tácitos e as juras de amor. Jogou fora tudo que acreditava ser dela. Empobreceu-se. Lamentou-se. Mas,conseguiu se manter firme seguir os passos , não olhar para trás. Ele estava lá ainda, sentia os olhos dele percorrerem ainda o físico franzino que ela tinha. Lembrou-se que ele gostava do corpo dela, tão pequeno. E tudo que ela imaginava ser , era porque um dia ele dissera que ela era.


Que primavera triste...tudo feneceu. Queria-o muito. A pele, o cabelo, as costas que várias vezes fez de cama, as unhas, os dedos, os sinais, cada pedacinho dele surgiu de súbido diante dos olhos dela. Ela gostava de cada pedacinho dele, amava-o de todo e de partes.


Como dizer adeus? afinal ele estaria para sempre com ela. Rezou para que ele se arrependesse e corresse atrás dela, rezou pra que ele gritasse seu nome, não precisava muito, ela voltaria se ele pedisse. Nem forte ela era, florzinha com pétalas singelas que até o vento leva.


"Corre e me abraça", pensava ela. "Não desista de mim", suplicava. "Antes que eu dobre aquela esquina ali, ainda dá tempo"- falou , lábios entreabertos. Era uma prece.



Ananda Sampaio***

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