27 de julho de 2011

Alzira



Portraits of the past - by Alexandru
Alzira era dessas mulheres comuns – comum a ponto de passar despercebida. Tinha nas mãos os rastros das tarefas diárias sem fim: lavar, passar, cozinhar, cuidar dos filhos. Se ainda tinha sonhos seus não sabia.


Sabia que queria que os filhos fossem felizes, bem sucedidos. Quanto a si mesma- não se questionava. Ia contando os dias despreocupadamente.

O que a irritava mesmo era o pó sobre os móveis, as louças infestando a pia, a farda dos filhos sempre suja e amassada.

Quanto mais trabalhava, cuidava, mais infinita era a tarefa.

Não sabia se era triste.Sabia que a noite antes de dormir deitava-se e chorava em silêncio, sem soluços, sem bruscas contrações.

 Chorava humildemente e na verdade nem sabia por que chorava. Existia alguma coisa guardada por tanto tempo que de repente resolvia explodir e ela perdia o controle.

Perder o controle para Alzira era chorar calada, no canto da cama enquanto o marido roncava.

‘Não foi isso que sonhei pra mim’ – pensava.

 As coisas deveriam ter sido tão diferentes do que são. ‘Onde foi que eu deixei que a minha vida se carregasse sozinha, por si mesma?’ – este pensamento ardia constantemente no peito.

Mas, os filhos não percebiam, o marido fingia não ver. E Alzira caminhava rumo ao inexorável. Sentia que o agora passou rápido demais e o instante presente já era se fazia tarde. E as coisas são como tinham que ser.

Apenas eu de binóculo assistia lentamente o desenrolar daquela agonia que não era minha.Mas, que temia que um dia fosse. A agonia dos sonhos que foram afogados por alguma mão invisível, sonhos destroçados pela incapacidade de reagir, por medo.Do que diriam os outros, de como ficaria o marido pós-abandono.

 É difícil acreditar em reviravolta quando se é uma mulher sexagenária. Alzira queria apenas acreditar que fora uma boa mãe, que deu a mamadeira na hora certa e que seus filhos cresceram fortes e bem alimentados.

Não ousava mais ser borboleta.

Não tinha mais tempo pra metamorfoses, nem pra sair por aí livre de flor em flor.Estava enclausurada dentro das circunstancias de sua vida.

Era borboleta ainda, mas de colecionador.

Pregada com alfinete, dentro de uma moldura, de um quadrado. Deu espaço para os sonhos dos outros, dos filhos, dos netos e dos bisnetos.Quem sabe eles, Alzira, poderão aliviar tua dor e tua sensação de vida não vivida.

Meus olhos estão sobre ti, Alzira.Sentes?

Ananda Sampaio***

2 comentários:

wcastanheira disse...

ótimo, um texto inteligente, faz pensar, levou-me a ler e reler e isto é muito bom pra vc bjos, bjos e bjossssssssss

Cynthia Osório disse...

Alzira que se apropria doutras vidas, menos da própria vida. Sempre é tempo de nascer, de preferência agora.
Ótimo conto!