Não gosto de carnaval. Meu
coração não saltita ao som da percussão e não tem data marcada pra ser feliz.
Desculpe, foliões. Meu coração não brilha como
lantejoulas e não sopra confete ou serpentina.
Ele deseja se recolher ao som de
um violão baixinho e bater compassadamente. Meu coração não tem calendário. Não
se conforma ao nascer do sol nem descansar ao pôr do sol. Tem vontade própria e
no seu guardarroupa a fantasia não se reserva apenas ao carnaval... Mas a toda
e qualquer época do ano.
Fomos abandonados a própria sorte
e não tem marchinha que nos convença do contrário. O meu peito, que lhe
carrega, sabe que ele quer crescer tanto que ás vezes sufoca. E sabe também, que
ele se encolhe tanto, em alguns momentos, que tenho que meter a mão no fundo
até encontrá-lo e me dar conta que ele está do tamanho de um caroço de feijão.
Muda de tamanho, de cor e até de
formato. Como se acompanhasse com meus olhos o mundo, o vasto mundo. Por alguns
momentos já senti saltar – parece que tinha decidido sair pela boca e abandonar
o peito estreito que o guarda.
- Vontade de ganhar o mundo. Ele
disse e calou-se.
Passo dias e esqueço que ele
existe, tamanho que é o seu silêncio. Noutros ele brota e parece renascer fortuitamente. Trabalha com força, rígido e bombeia sangue por todo meu corpo
entupindo minhas veias e artérias de vida, potência de vida em seu estado mais
puro.
Ele mora comigo, se alimenta dos
meu sentidos, mas é independente. Filho maduro e autossuficiente que mora na
casa dos pais; já não dá satisfações. Pra minha sorte ele fez morada em mim.
Pro meu azar ele não mente.
Pula dali, saltita de cá. Ele
sempre resiste – seja carnaval ou não. O meu coração resiste aos impulsos mais
violentos, às batidas mais agressivas... Ele não se
priva, ele se expõe. O meu
coração canta aos domingos ensolarados. E me fala ao ouvido aquilo que ousei
ignorar.
Ele me prende com correntes, me
maltrata. Dói carregá-lo. Mas já existem
raízes e nossa relação jamais será breve ou amortecida pelo cotidiano. O tédio
não nos condena, jamais nos assola. Carrego esse bendito ou maldito na palma
das mãos, na sola dos pés e no peito encardido.
Com ele a vida passa e sinto
correr pelas minhas células todo o estupor das emoções que não sou capaz de
processar. Pobre corrente sanguínea! O sangue tem que correr para não coagular.
Quanto a mim só resta dizer sim ao meu senhor, esse coração de carne, músculo e
sangue. Essa bomba relógio que bate em meu peito. Essa coisa grande. Numa noite
de carnaval ele só pede Cartola.
Ananda Sampaio
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