14 de setembro de 2011

Sobre o Fim


Soul reflection by ElifKarakoc


"Pra onde vai o meu amor
Quando o amor acaba?
Almanaque (Chico Buarque)

Sentada sobre a cama, observava a estampa da colcha. Dentre os desenhos havia uma borboleta colorida, livre a voar. Queria observar tudo, insignificantes detalhes, menos olhar nos olhos de Gusmão. Sabia que se o encarasse ele conseguiria enxergar tudo que se passava dentro dela.

Enquanto isso ele arrumava a mala, pegou aqueles sapatos. E ela recordou que eles compraram juntos aquele par e pensou que aquele sapato era a cara dele. Era bom mesmo que ele levasse logo, porque seria horrível vê-lo todos os dias ali, no canto do quarto. Como se estivesse esperando seu dono retornar.

O silêncio era opressor. Os sentimentos estavam impregnados na falta de ondulações do ar.E todo aquele vácuo refletia o estado de espírito de Teresa: vazio. Esquecer a vida que compartilhou com Gusmão seria um esforço próximo dos doze trabalhos de Hércules. Pena que ela, naquele corpo miúdo, não era Hércules. Simples mortal, de falhas severamente humanas.

Gusmão arrumava a mala lentamente. Despedia-se de cada objeto, afinal eles eram testemunhas oculares do amor que eles viveram ali. Sabia que encontrar alguém como Teresa seria difícil, talvez até impossível. Mas, não poderia viver com Teresa apenas por medo de não encontrar alguém como ela. Tinha que desejá-la como a desejou por todos esses anos.

Não podia mais fugir, nem fingir a realidade que estava ali jogada ao chão, estilhaçada. Retratando aquelas tais verdades que estão sempre ali esperando um dia serem vistas. Tudo tinha mudado. Ambos tinham mudado. E não mudaram juntos, embora vivessem na mesma casa entre eles habitava um enorme precipício. Quando deixaram de compartilhar os pequenos detalhes do cotidiano, quando deixaram de sorrir junto e especialmente, quando a presença do outro deixou de ser essencial...

O mundo deles partiu-se ao meio. E cada um passou a habitar em sistemas planetários dispersos. Teresa guardava no peito um desespero calado, não queria demonstrar suas fraquezas. Era adulta, tinha que manter a compostura. Gusmão entregou a cópia da chave. E os dois observaram o chaveiro. Um souvenir, daquela viagem que fizeram a Paris.

Gusmão disse:

- Teresa. Não sei se existe algo a ser dito. Sei que há, mas não como dizê-lo. Queria dizer que tudo que vivemos sempre será nosso. E que ainda te amo, mas essa característica humana que temos de destruir tudo, destruiu a nossa convivência. Desabou nossa construção e jamais seria justo te amar pela metade, com meias palavras ou com meios perdões.

Teresa pôs finalmente os olhos em ação. E disse:

-Gusmão. Pode ir, não precisa se explicar. Já conversamos tanto que não consigo mais falar sobre isso, nem sei se o que direi será a altura desse momento. Eu não preciso dizer que estou a ponto de morrer e que precisarei encontrar em mim uma pessoa que não conheço pra poder superar tudo isso. Mas não posso te pedir pra ficar, se teus passos já não são meus... Talvez nunca tenham sido.

Assim Gusmão assumiu o rumo da própria vida sozinho. E Teresa percebeu que na tinha nada, nada ficou. Apenas a própria sombra e o reflexo claro  da sua alma no espelho.

Ananda Sampaio***

Um comentário:

Cynthia Osório disse...

"pôr os olhos em ação e dizer" linda construção!sem limites de poesia, lindo! Bonita estória de fim-começo!