5 de outubro de 2011

O muro





Parecia o muro de Berlim. Insistente a me separar do mundo. Alongava-se e ia sempre em direção a minha rota. Do outro lado estava o mundo e todo seu modo compulsivo de existir. Eu não o via, mas ouvia as buzinas, os passos atordoados dos passantes, o sino da igreja. Pulsava a meu lado a sua maneira sempre muito pragmática. O distanciamento crescia com o tempo. Condensava-se com as experiências, cada vez mais vagas.

Finalmente a chave girou na fechadura. E eu estava a salvo, na minha zona de conforto: sem conflitos, sem fingimentos, sem impactos avassaladores. Deitei no chão frio do meu quarto, de bruços. Fechei os olhos e permiti a Terra que me abraçasse e por alguns instantes estava eu de volta ao útero de minha mãe. A solidão que tinha matéria de chumbo, agora era extraída de mim por alguma força maior. Balouçava no ar, distendia-se cada vez mais.

Ao abrir os olhos, notei que ela se reinstalara dentro de mim. Vacilei os olhos sobre os retratos luminosos de expressões minhas, didaticamente estava ali a minha vida. Anacronicamente.

Eu sou Rhoda, Jinny, Susan, Neville, Bernard e Louis. Sou seis ou mais. Uma xícara de café parece me absorver. Os pés sobre o chão, as flores apontando na minha janela. O espelho que deseja me unificar numa única aparência.

O meu distanciamento se dá pelo cansaço: das conversas frívolas, das análises sempre alheias, das verdades inférteis. O muro está lá, há quem deseje derrubá-lo, mas não o faço. Quero meu país ao passo de minhas mãos pequenas e apenas. Minhas estantes cheias de livros. E eu me pronuncio, seja em seis ou mais solilóquios. Eu em todo meu egoísmo me inclino.

E do outro lado ditadores cospem-se em discursos, pássaros teimam em cantar, a fumaça dos carros acinzentam o céu, pedestres observam o relógio e o mundo gira dentro de vinte e quatro horas desejando que o tempo fosse mais longo.

Permaneço incólume. Será?

Ananda Sampaio***

Um comentário:

Luciana Lís disse...

Essa natureza é quase etérea, esbarrando apenas no que temos de impalvável, nossa subjetividade, nosso envolvimento involuntário com o lado de fora de nossas razões: o outro. E tão paradoxais, nosso lamento e salvação, por vezes nossa própria matéria entre o passado e o futuro, nossa essência pra que algo sempre seja dito.
Acredito que também somos o que vai de nós até o outro.

Adorei!
=***
Te amo