8 de janeiro de 2012

As fotografias




“É noite que vai chegar, é claro é de manhã. É moça e anciã” – Zé Ramalho

Elas estavam por toda parte... Nas paredes, sobre o criado mudo, nas estantes. Como alegorias, provas de uma vida vivida. Tinha medo que elas se alastrassem a tal ponto que minha casa se tornasse inabitável para mim. Eternas reminiscências reveladas em papel fotografia.

Provas cabais da minha existência – sempre tive medo de acordar um dia e perceber que passei a vida dormindo. Tal qual cena épica do Matrix.

As fotografias são para mim uma inquestionável amostra de que somos um eterno não ser. Ali naquelas cenas antigas pousa uma pessoa com meu corpo, mas que já deixei de ser há muito tempo. É a assertiva enfática da eterna metamorfose – a que se está sujeito.

Você disse pra mim que te angustiava aquele montante de fotos espalhadas pela casa. Eram a prova da incerteza, da falta de controle sobre o que virá. Era a materialização da certeza sobre a nossa falta de poder – até mesmo sobre nós.

É o reinado absolutista do tempo que as impregna que te maltrata. O quanto somos triturados, remodelados e refeitos de novo e novamente e mais uma vez... Material eternamente inacabado.

É a eternização de um segundo exato. Pra quem tem olhos que enxergam é possível observar que ali estão não apenas a representação dos corpos físicos, mas também das quimeras da juventude, a ganância de vida da infância e o cansaço da velhice.

Está tudo lá... Arregala o olho e percebe. O que te atormenta eu também posso ver, é a nossa eterna submissão ao intocável. Uma submissão velada, de acordos tácitos invisíveis a fotografia.

Quando você olha para aqueles antigos retratos é angústia, o medo, a alegria e a espera daquele felicidade que está sempre por vir. O que te acovarda não são as pessoas, ou a nostalgia per si. São as verdades roubadas, as tarefas deixadas pelo caminho e todas as pessoas que você um dia foi. O que amedronta é o indecifrável presente.

Ananda Sampaio***

4 comentários:

Luciana Lís disse...

"Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra."

na terra do coração, do caio f., lembra?

=***

web developer india disse...

This is a wonderful opinion. The things mentioned are unanimous and needs to be appreciated by everyone.

Iasminne Fortes disse...

Fiquei pensando na última frase do seu texto: 'O que amedronta é o indecifrável presente.'

Adoramos dizer que o futuro nos dá medo. Mas, sinceramente, o presente também amedronta. As fotos tem esse poder.

beijo!
Iasminne

Folheto Nanquim disse...

As fotos dizem o gosto do passado. Não somente o aroma de baunilha, mas também o amargo conhaque.