“É
noite que vai chegar, é claro é de manhã. É moça e anciã” – Zé Ramalho
Elas
estavam por toda parte... Nas paredes, sobre o criado mudo, nas estantes. Como
alegorias, provas de uma vida vivida. Tinha medo que elas se alastrassem a tal
ponto que minha casa se tornasse inabitável para mim. Eternas reminiscências reveladas
em papel fotografia.
Provas
cabais da minha existência – sempre tive medo de acordar um dia e perceber que
passei a vida dormindo. Tal qual cena épica do Matrix.
As
fotografias são para mim uma inquestionável amostra de que somos um eterno não
ser. Ali naquelas cenas antigas pousa uma pessoa com meu corpo, mas que já
deixei de ser há muito tempo. É a assertiva enfática da eterna metamorfose – a
que se está sujeito.
Você
disse pra mim que te angustiava aquele montante de fotos espalhadas pela casa.
Eram a prova da incerteza, da falta de controle sobre o que virá. Era a
materialização da certeza sobre a nossa falta de poder – até mesmo sobre nós.
É o
reinado absolutista do tempo que as impregna que te maltrata. O quanto somos
triturados, remodelados e refeitos de novo e novamente e mais uma vez...
Material eternamente inacabado.
É a
eternização de um segundo exato. Pra quem tem olhos que enxergam é possível
observar que ali estão não apenas a representação dos corpos físicos, mas
também das quimeras da juventude, a ganância de vida da infância e o cansaço da
velhice.
Está
tudo lá... Arregala o olho e percebe. O que te atormenta eu também posso ver, é
a nossa eterna submissão ao intocável. Uma submissão velada, de acordos tácitos
invisíveis a fotografia.
Quando
você olha para aqueles antigos retratos é angústia, o medo, a alegria e a
espera daquele felicidade que está sempre por vir. O que te acovarda não são as
pessoas, ou a nostalgia per si. São
as verdades roubadas, as tarefas deixadas pelo caminho e todas as pessoas que
você um dia foi. O que amedronta é o indecifrável presente.
Ananda Sampaio***
4 comentários:
"Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra."
na terra do coração, do caio f., lembra?
=***
This is a wonderful opinion. The things mentioned are unanimous and needs to be appreciated by everyone.
Fiquei pensando na última frase do seu texto: 'O que amedronta é o indecifrável presente.'
Adoramos dizer que o futuro nos dá medo. Mas, sinceramente, o presente também amedronta. As fotos tem esse poder.
beijo!
Iasminne
As fotos dizem o gosto do passado. Não somente o aroma de baunilha, mas também o amargo conhaque.
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