-Preciso pegar ainda, algumas coisas que ficaram... Posso
entrar?
Ela caminha pelo corredor, vai direto para o quarto. Para seu espanto tudo está exatamente como deixou. Intocado, arrumado. A
colcha de cama era a mesma, o porta retrato com a foto de ambos ainda estava lá e seus livros, aqueles que tinha prometido ler, ainda estavam lá inertes e totalmente
submissos.
De repente teve impressão que desde que saíra ele não tocara nada. Confabulava que ele não quisesse quebrar o último sinal da sua presença. O instante estava parado. Ali era o santuário dos sonhos, amor e noites compartilhadas e ele com toda a sua saudade por quem acabara
de sair não se permitiu tocá-lo, eram como provas de um crime. O nó ficou na
garganta, subindo e descendo. Mônica pegou a caixa e foi guardando lá dentro
os livros, algumas bijuterias e o carregador do celular... Objetos que
geralmente são esquecidos por conta de alguma saída intempestiva.
Depois de encaixotar os últimos sinais, pertences como
queira chamar... Decidiu levantar-se e percebeu que a força da qual precisava
naquele momento deveria pertencer a algum gigante e não a ela. Sabia que não
tinha pernas, mãos e especialmente músculos suficientes para erguer o próprio corpo, que
teimava, com vontade de ficar, acovardado. E finalmente, seguiu o corredor. A sensação que a invadiu foi perturbadora, estava no corredor da morte, idêntico àqueles vistos nos filmes americanos. E se sentia como um criminoso ardiloso que caminhava rumo à justiça redentora
e impassível dos homens.
“Lá estava ele, Carlos e suas pernas longas e seus pés
chapados. Deitado no sofá da sala que compramos juntos, que passei horas para
decidir se levaria o mostarda ou o marrom. E aquela cena de alguma maneira não
fazia sentido... ele não tinha um sorriso para me oferecer, nem o olhar ousava
me lançar. Estava impassível, com o olhar fixo na varanda do apartamento. Não
sei se olhava para o céu, talvez tivesse encontrado algum lugar onde eu não
pudesse entrar.”
- Terminei, preciso ir. Obrigada...
E Carlos sequer deu algum sinal... O corpo estava ali
estendido sem vida e sem forças pra reagir. Ele forçosamente olhou e disse:
- Por que é sempre nos rompimentos que realmente conhecemos
as pessoas? Por que é sempre na despedida que conseguimos realmente
enxergá-las?
- Porque não conseguiríamos conviver se nos conhecêssemos tão
a fundo...
O silêncio pesava toneladas.
- A partir do momento que cruzar aquela porta terei que te
matar totalmente dentro de mim.
O adeus não precisou ser dito. Era a palavra mais cruel para
um momento como aquele.
Nada pior que uma re-partida, nada pior do que partir-se
sabe-se lá em quantos pedaços.
Ananda Sampaio***
2 comentários:
As palavras doeram. Pesadas. Ótimo texto!
"Não sei se olhava para o céu, talvez tivesse encontrado algum lugar onde eu não pudesse entrar.”
sabe aquela sensação de "porra,isso tá tão foda, tão foda, que eu não saberia usar outras palavras pra classificar"? pois é, especialmente no trecho acima. excelente texto!
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