18 de maio de 2012

Re - partida







Could I be, was I there?
It felt so crystal in the air
I still want to drown, whenever you leave
Please teach me gently, how to breathe 
 Shelter by Birdy





- Você voltou? Perguntou ele com olhar ainda aturdido pela presença dela.

-Preciso pegar ainda, algumas coisas que ficaram... Posso entrar?

  Ela caminha pelo corredor, vai direto para o quarto. Para seu espanto tudo está exatamente como deixou. Intocado, arrumado. A colcha de cama era a mesma, o porta retrato com a foto de ambos ainda estava lá e seus livros, aqueles que tinha prometido ler, ainda estavam lá inertes e totalmente submissos.

 De repente teve impressão que desde que saíra ele não tocara nada. Confabulava que ele não quisesse quebrar o último sinal da sua presença. O instante estava parado. Ali era o santuário dos sonhos, amor e noites compartilhadas e ele com toda a sua saudade por quem acabara de sair não se permitiu tocá-lo, eram como provas de um crime. O nó ficou na garganta, subindo e descendo. Mônica pegou a caixa e foi guardando lá dentro os livros, algumas bijuterias e o carregador do celular... Objetos que geralmente são esquecidos por conta de alguma saída intempestiva.

 Depois de encaixotar os últimos sinais, pertences como queira chamar... Decidiu levantar-se e percebeu que a força da qual precisava naquele momento deveria pertencer a algum gigante e não a ela. Sabia que não tinha pernas, mãos e especialmente músculos suficientes para erguer o próprio corpo, que teimava, com vontade de ficar, acovardado. E finalmente, seguiu o corredor. A sensação que a invadiu foi perturbadora, estava no corredor da morte, idêntico àqueles vistos nos filmes americanos. E se sentia como um criminoso ardiloso que caminhava rumo à justiça redentora e impassível dos homens.
  
“Lá estava ele, Carlos e suas pernas longas e seus pés chapados. Deitado no sofá da sala que compramos juntos, que passei horas para decidir se levaria o mostarda ou o marrom. E aquela cena de alguma maneira não fazia sentido... ele não tinha um sorriso para me oferecer, nem o olhar ousava me lançar. Estava impassível, com o olhar fixo na varanda do apartamento. Não sei se olhava para o céu, talvez tivesse encontrado algum lugar onde eu não pudesse entrar.”

- Terminei, preciso ir. Obrigada...

E Carlos sequer deu algum sinal... O corpo estava ali estendido sem vida e sem forças pra reagir. Ele forçosamente olhou e disse:

- Por que é sempre nos rompimentos que realmente conhecemos as pessoas? Por que é sempre na despedida que conseguimos realmente enxergá-las?

- Porque não conseguiríamos conviver se nos conhecêssemos tão a fundo...

O silêncio pesava toneladas.

- A partir do momento que cruzar aquela porta terei que te matar totalmente dentro de mim.

O adeus não precisou ser dito. Era a palavra mais cruel para um momento como aquele.
Nada pior que uma re-partida, nada pior do que partir-se sabe-se lá em quantos pedaços.

Ananda Sampaio***



2 comentários:

Pollyana disse...

As palavras doeram. Pesadas. Ótimo texto!

Cynthia Osório disse...

"Não sei se olhava para o céu, talvez tivesse encontrado algum lugar onde eu não pudesse entrar.”
sabe aquela sensação de "porra,isso tá tão foda, tão foda, que eu não saberia usar outras palavras pra classificar"? pois é, especialmente no trecho acima. excelente texto!