13 de junho de 2012

Sra K (2)



Sra K resolveu que usaria o vestido vermelho.Afinal, hoje sentia-se visceral.Era como se toda ela fosse um pulso latente, constante.Calçou os sapatos, passou perfume e aconchegou a bolsa debaixo do braço e seguiu. Enquanto atravessava a enorme avenida de vias infinitas ouviu o badalar dos sinos condensado ao barulho das buzinas e os saltos das senhoras que zumbiam levemente no contato com o chão.

Teve vontade de jogar os sapatos no primeiro lixeiro que viu e sair correndo. Uma vontade sufocante de ir adiante, para algum lugar, algum encontro. Mas, não há ninguém a esperá-la.Em lugar nenhum – pelo menos não que soubesse.Sentia-se presa por cercas invisíveis e silenciosas.Era tudo um plano para enganá-la, uma tática para testar se ela não tentaria algum dia fugir.

Lembrou-se do primeiro dia de aula numa escola estranha – como lhe amedrontavam as pessoas, em especial, as pessoas novas. Era sempre como caminhar em terreno desconhecido. Tinha que pisar leve e manter o peso do corpo e da alma todo para si. Pelo menos por enquanto.Tinha que disfarçar, sorri. Tinha dificuldade em saber as horas certas para manifestar-se: quando sorrir, quando calar,quando chorar. Era sempre uma represa de si mesma. Contendo-se sempre para não incomodar ninguém.

Quando criança seu principal desejo era tornar-se invisível. Com intuito de conseguir enxergar as pessoas quando elas não estão vestidas – sem o preto do luto, o vermelho do amor ou o roxo da paixão. Despidas de si mesma, ou melhor, despidas dos outros. Imaginava as pessoas nos momentos que estão só consigo mesmas. Não precisava nem mesmo ouvir os pensamentos dos outros, bastava olhar pra seus rostos livre da maquiagem e das expressões premeditadas.

De repente, esbarra-se em algum desconhecido. De supetão percebe que está de volta ao mundo real. O tempo passou, sinal abriu. Atravessa a rua. E o vazio invade, tudo parece oco. Os sons, as pessoas são feitas apenas de cascas e ela torna a sentir-se dentro de sua própria pele. E pensa:

- Quão doces são as ilusões. Coloridas e embaladas como docinhos de uma festa infantil. E aparentemente inocentes.

Ananda Sampaio***

Um comentário:

Cynthia Osório disse...

não há lugar pra ela no mundo, mas há um mundo dentro dela