Mas, me diga meu caro, você já ficou à deriva de si mesmo?
Perder a propriedade e ir a passos largos para perto do precipício só pra ver
aonde tudo isso vai dar?
Caso não o tenha feito, sinto muito por você e por mim. Quem
nunca teve conflitos não merece estar vivo. Por mais contraditório que isso
possa parecer, só vive quem já duvidou da vida – quem recebeu nas papilas o
gosto amargo da existência.
É preciso brigar com Deus para que ele saiba que dói – que te
dói olhar para o absurdo todos os dias. Para que Ele saiba que todo o fardo que
tu carrega te dói às costas. Do contrário, ele pensará que tu terás vivido no
mundo das maravilhas, que tu ainda não aprendeste a olhar para os lados e
enxergar além dos sólidos.
Meu caro.
Pode parece que minha
voz soe em teus ouvidos como se eu tivesse vivido um milênio. Uma voz cansada
demais, tensa demais ou ranzinza demais para tua verdade tão jovem, límpida e
de arestas aparadas.
E talvez possa ainda soar sincera, mesma que você não queira
admitir. Um dia você abrirá esta carta e seus olhos sobre estas palavras te
trarão coisas novas e você terá impressão de que da outra vez que leste, não
entendeu o que realmente ela quis dizer. Quem sabe ela nunca terá fim.
E pode ser não seja tarde demais. Larga teu medo e despe teu
corpo é pulando no abismo que aprendemos a voar.
A vida é infinita.
Ananda Sampaio***
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