Para Lygia Fagundes Telles
Tinha se partido – embora não soubesse o quê. Conseguiu percebê-lo estilhaçado sobre o chão da cozinha antes de sair de casa. No peito um lamento ecoava, e muitas coisas não eram como imaginava.
- Será que me enganei tanto assim?
- Eu te avisei, desculpa dizer isso...
-Não sei se não quis ver ou se tudo estava claro demais e eu
tenho olhos cegos. Lamentou a descoberta daquela deficiência desconhecida.
- Amiga, amor é assim
mesmo. Tem dessas coisas, inexplicáveis.Entramos numa roubada rindo, como se
fosse um parque de diversões. Nem sei te dizer se alguém é mesmo culpado. Ou
estamos todos tão desesperados que enfaixamos os olhos por vontade própria.
- Mas, eu tinha certeza que era amor e que era recíproco.
Não pensei nunca que algo tão pequeno ou não tão grande fosse suficiente pra
nos separar.
- Simplesmente, o tempo acabou. É assim que tento encarar, o
tempo de vocês acabou. Já pensou se tudo na vida for mesmo cronometrado?
A moça da dor com as mãos postas uma sobre a outra na mesa de
madeira do bar, com jeito e alma de luto travava os ouvidos. Tudo que não
queria era ouvir as loucuras da amiga. Não conseguia entender porque resolvera
abrir-se logo com ela.No fundo gostava das explicações diáfanas e sinceras que
ela sempre encontrava pra não vê-la triste.
- Eu só desejei uma afirmativa. Sonhei que ele me levaria de
braços cruzados além de tudo e de todas essas coisas pequenas que as pessoas
arranjam para isolar o amor. Como se o mundo fosse feito apenas de casais
perfeitos, simétricos, unicolor. Não aprendemos a amar, ainda.
- Aprendemos, mas nem sempre estamos pronto pra ele como
imaginamos que estamos. Vestimos nossa melhor roupa, saímos para a noite, com o
melhor perfume. Tudo porque estamos prontos para o amor. É como disséssemos
desesperadamente que estamos de porta aberta. Como se implorássemos por um
momento de verdade. Que nos trague e faça de repente a vida ter sentido. Mas ele só vem quando quer, não adianta disfarces ou fingimentos. Ele sabe a hora e quando vem não pede licença e nunca estamos com a nossa melhor roupa, nem de armadura.
- Mas, quando estaremos prontos? Eu estou, sempre estive.
Tanto que me agarrei com tudo a ele. Dei tudo, “queimei meus barcos” como diz o
Chico. Pra acabar só.
- No amor não se dança só, querida. Só se dança a dois.
A boca fechou-se retesando tanta verdade. As mãos não
formavam mais o montinho, agora postas lado a lado sobre a mesa. Não tinha mais
cartas a esconder. O jogo estava claro.
- Mas, por favor, sem esse negócio de
perdedor.
Ananda Sampaio***
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