3 de setembro de 2013

Óculos escuros


- Por que estou sem meus óculos escuros?

Alguém sem defesa como eu precisa sempre de óculos escuros. Assim eu poderia sair a caminhar pela tal avenida sem medo de chorar. O mundo não gosta de quem chora assim em vias públicas. De quem expõe sua fraqueza ou tristeza assim, na frente de qualquer um.

- Afinal pra que servem mesmo essas pessoas?

Ninguém precisa delas, afinal o mundo nem é tão ruim assim e as pessoas não se magoam mutuamente. No mundo das pessoas que não choram ou ressentem em espaço aberto, lágrimas são inúteis. Retrato de comoção indevida, inapropriada.

É como vestir um biquíni no polo sul. Socialmente, indevido. Constrangedor. Afinal, aprende-se desde criança que constranger os outros é ruim, que verdades não devem ser ditas. E mostrar sentimentos assim, enfraquece o cimento social.

- Para alguém como eu: inclassificável, indefensável, óculos escuros são as saídas.

Olhos retidos na escuridão da lente, no terreno da indiferença. Pra quê incomodar?

Sinta sua dor sozinha, dizem os olhares, os risos, a indiferença.

- Não seja humano, qualquer coisa vá a missa. Reze aos domingos e tudo isso passa.

E se não passar? E se nem a igreja ou o sermão do padre secarem as lágrimas?

- Terei eu de me esconder, me enfiar em algum buraco. Faça tudo, mas não incomode.

Já me disse certa vez o dedo estirado.

E antes de sair sempre lembro, ponha os óculos escuros, garota.

Ananda Sampaio***


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