30 de setembro de 2013

Sobre o dizer


Enquanto banhávamos, minhas mãos escorriam pelas suas costas na tentativa de deixá-la livre dos últimos resquícios da espuma do sabonete de cheiro primaveril. E, de repente, me dei conta de que aquele gesto era profundamente materno e infantil. São esses os reparos estranhos da mente que por vezes adentram os dias.
Como palavras que são ditas e que, sorrateiramente, tomam corpo e adquirem outros significados. Como se tivessem vida própria. Como se fossem seres que me habitam e que utilizo para me traduzir, numa relação de inconteste escravidão e rebeldia.

Entre eu e ele, pensei, são muitas as palavras - que dizem quem ele é, e que nos une e que nos distancia. Como se fossem mãos e braços – que se repelem e entrelaçam.

Sempre abusei das coitadinhas. Usei-as para dizer as sentimentalidades mais sinceras, se não pudesse escrever, é certo que teríamos terminado numa torre de babel. Afinal, pessoas esquivas e oportunamente solitárias como eu, têm as palavras em alta conta. Mais importante do que as roupas que cobrem as vergonhas ou as jóias que embelezam a carne.

Eu tenho o sentido das coisas em mim. Eu tenho em mim o sentido que dei a ele. Uso as palavras pra descrever o tom da pele quando exposta ao sol ou pra revelar algum detalhe da personalidade que passe sem que os outros percebam. E são elas que desvendam as nuances dos dias estranhos ou felizes.

Sem elas eu não poderia pedir a ele que deixe a barba crescer ou pedir um beijo fora de data, fora de hora. Nem falar sobre os pensamentos que me invadem quando sinto o vento no rosto, nem explicar todos os mal entendidos resultantes dos meus atos.

Se fossemos silêncio ele teria dificuldade em me traduzir e eu murcharia antes mesmo de florescer. Especialmente pelos sins, eu agradeço. Se não fossem as palavras alheias reutilizadas o amor não seria amor. Amor sem Camões, Vinícus ou Chico não seria amor. Amor sem soneto, sem canção seria apenas um encontro, um encontro sem saudade.

Ananda Sampaio***

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