8 de abril de 2014

Bolhas de Sabão


Dave Hartley - Another Day


Podia sentir o desespero no ar, o meu desespero. Delatado pelo meu passo perdido, a mão na boca e os olhos em busca por um porto seguro ou um canto escuro e livre de olhares furtivos e inquisidores.

Era uma festa, uma abertura algum acontecimento onde supostamente as pessoas relaxam, conversam e socializam. Mas o ambiente não me era propício e tudo que não consegui foi relaxar. Os meus tênis velhos e vulgares demais, juntos a meu jeans e cabelo quase sempre despenteado.

- Eu não deveria estar ali, disse para mim mesma.

Às vezes em situações como esta um acovardamento me possui e a súbita vontade de sair correndo me enlouquece.

- Sou péssima, sou dramática.

De repente, durante meu passeio pelo salão, me apercebo de alguém livre. Com ares de asseio e leveza nos aspectos todos. Uma senhora, cabelos brancos.

- Todos os jovens, ou melhor aqueles que já não são tão jovens assim, se amedrontam com a chegada dos dias de velho.

Mas durante aqueles segundos, durante um milésimo, um pensamento me invadiu e estou certo de a senhora, mesmo com todo a sapiência que os anos devem tê-la dado, não imaginou sequer a sombra do pensamento violento que degluti ali.

- Desejei, confesso. Desesperadamente estar naquele corpo.

Aquela senhora, na altura dos 80, já não tinha muito a provar. Já se libertara de tantas coisas, que ainda prendem meus pés, mãos e pensamentos.  Naquela idade que não se deseja e nem se deve precisar mais explicar-se, construir reputação alguma. Ela planava, tinha sobrevivido e agora a maior benção daqueles anos todos, era a liberdade. O caminho feito sobre o qual ela deslizava, cheio de lembranças. Artefatos quase sempre seguros.

Eu ali, com minhas roupas inadequadas. Tentando disfarçar minha falta de espaço, enquanto ela desfilava por entre muitos sem sequer ser notada, apenas por mim. Diante de sua placidez, eu desejei sem medos ou receios que os anos viessem a galope. E o medo se desfez e as ansiedades eclodiram em silêncio, como bolhas de sabão.



Ananda Sampaio***

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