29 de agosto de 2011

Senhorita K



Uma humilde homenagem a Mrs Dalloway e a Virgínia Woolf.

Senhorita K sentia-se pairando no ar. Imaginava-se inúmeras vezes tal qual uma pluma lançada de um prédio altíssimo, e planejava incansavelmente sua queda. Queria ao menos uma vez sentir o chão a seus pés. Mesmo que para isso fosse necessário inicialmente colidir-se. Inocuamente acreditava que iria resistir.

Talvez estivesse mais para sobrevivente. Srta K tinha um rosto ânguloso, com protuberantes maçãs, cabelos negros escorridos e tinha olhos, que mais se assemelhavam a guardiões. Eram eles que guardavam todos os seus segredos, jamais a traiam. Eram janelas trancafiadas.

Senhorita K era boa atriz. Sorria nas fotos, gargalhava nas festas e sempre tinha comentários engraçados a fazer. Era dessas pessoas divertidas, mas não menos solitária.

Só ela sabia que já tinha tentado tantas vezes encontrar no mundo algum lugar que lhe coubesse, e que no qual se sentisse confortável.

Mas ainda não tinha encontrado este espaço, esta órbita. Planava sobre uma supra-realidade que criara para si, na tentativa óbvia de fuga.

Deitava-se, fechava os olhos e trazia a mente uma lembrança que lhe agradava bastante.

A piscina do clube onde passara boa parte da infância, quando se cansava das brincadeiras mergulhava no fundo, sentava-se no azulejo azul e sentia tanto prazer inominável com aquele silêncio aquoso, profundo e pulsante. Nada se movia, os sons abafavam-se e lá estava ela. Feliz com o vazio do mundo.

Estava lá, de volta. 

E pensava:

- Meu Deus, há no mundo algo mais bonito do que os cavalos? Como são belas tais criaturas.

E eram assim os pensamentos que lhe surgiam. Soltos, ela os resgatava do ar, catava-os dentro de si. Gostava de constatar coisas bem óbvias.

E naquele momento era feliz. Afinal, gostava do vazio declarado, desse vazio que não se disfarça. Mas, com o qual é possível refestelar-se. Não é o vazio das festas, das convenções. É um vazio desejado, como uma anestesia.

Lembrava-se do quanto tinha desejado na infância um pônei. Lembrava-se do quanto achava incrível existir um cavalo em miniatura. Como se por alguns milhões de anos atrás o mundo fosse habitado apenas por crianças. Sentia que eram aquelas miniaturas criaturas mágicas.E tentava comunicar-se com eles.

Ela sabia bem quem era. Mas, sabia também que ao mundo nada devia.

E que este lugar enorme, infinito que denominamos mundo não lhe cabia – por maior que fosse.

Queria outro, um que por vezes remota, habitava. Um que tinha escolhido e que tinha suas medidas. Onde todos os sapatos mediam 36.

Srta k, desejava colidir-se. Não tinha medo dos impactos, dos choques ou de cara feia. Era corajosa. E sabia que quem tem um mundo tão vasto dentro de si, ora ou outra deseja a queda.

Srta K sabia que tinha apenas que levantar da cama e dá o primeiro passo, o dia sempre começa com os pés indo de encontro ao chão.

E, por hoje, pelo menos por hoje. Ela os levaria mais uma vez de encontro às pantufas.

E tinha certeza que levava uma dor maior que todas as dores do mundo.

E o que a matava eram as horas - intermináveis. As horas que estão sempre a suceder o próximo momento.As horas que nos salvam e nos perdem. As horas que maltratam e purificam. Era esta interminável contagem que massacra, que pisoteia e escarnece. 

E Srta K levantou-se e foram tantas forças usadas para que se pusesse de pé...

 Sentia-se como se fosse um edifício erguido por uma única mão de sol a sol. E pensou:

-Sou pluma, mas jamais desejo virar rocha

Ananda Sampaio***




2 comentários:

Anônimo disse...

Anandinha ótimo texto a senhorita K, dará origem a um livro? Acredito que seja muito merecida uma obra dedicada a tal moça... talentos são dons divinos!!!! Parabéns pelo seu... ADOREI! (Juzinha-Lucaia)

Mária Santos Neves disse...

Oi, Ananda
Adorei a carinha do seu Blog.
A Convidada é em homenagem a Simone de Beauvoir?
Voltarei mais vezes.
Bjs
Mari