6 de janeiro de 2014

O tal amor sem cálculo


“A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos”

- Desculpe, mas o sabor é amargo. Ela disse sem pestanejar, sem medo ou medições.

E disse mais, muito menos quando não disse, quando selou os lábios. Disse que estava acabado, disse adeus, au revoir, sem olhar para trás. Disse o gosto, descreveu a ausência de cor. E pra quem ficou só restou a saudade medrosa, daquelas que se evita para poder viver. Daquelas que não se deve falar muito, pois trava a todos, inclusive a mim que a profiro.

E o que é a vida, senão memórias? Senão resquícios que os outros liberam para que nossos sensores captem? Lembro-me do cheiro do hálito dela, do beijinho nos lábios a beira da cama antes de dormirmos, lembro-me do toque suave, dos risos infantis eu apenas lembro...
Porque pra quem fica só resta isso, pra quem vai há um mundo novo a ser descoberto. O tempo será escasso demais para que pare e pense em quem ficou.

- Eu lembro. Ela disse a mim.

Não sei se em sonho, não sei se plantei dentro essa lembrança mal desenhada para sanar o tédio de quem está. As confissões que ela me fez antes mesmo que eu tivesse vivência para aquelas realidades naturalmente duras da vida rebatem em meu espírito até hoje. E me sinto grata, grata pela credibilidade, grata pela confiança na minha capacidade emocional. Ela me fez feliz, especialmente por tudo aquilo que disse.

- Nandinha. Chamava-me enfaticamente amável e me sentia especial pelo nome no diminutivo, pelas confissões, pelas explosões, pelas tempestades que vez ou outra lhe ocorriam. E eu já amava alguém que jamais consegui compreender, eu amei sem total entendimento e isso não sei explicar, apenas vi.
Não sei onde ela estará, nem sei que luzes iluminam aqueles pés, mas sei dizer que lembro bem deles: dedos alvos, unhas enterradas nos cantos. Foi isso que ficou pra mim, uns pedaços de quem imagino que tu eras; uma lembrança inventada de quem tu seria hoje. Em mim ficou o amor sem cálculo apenas.

Ananda Sampaio


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