“A tempestade que chega é da cor
dos teus olhos castanhos”
- Desculpe, mas o sabor é amargo.
Ela disse sem pestanejar, sem medo ou medições.
E disse mais, muito menos quando
não disse, quando selou os lábios. Disse que estava acabado, disse adeus, au
revoir, sem olhar para trás. Disse o gosto, descreveu a ausência de cor. E pra
quem ficou só restou a saudade medrosa, daquelas que se evita para poder viver.
Daquelas que não se deve falar muito, pois trava a todos, inclusive a mim que a
profiro.
E o que é a vida, senão memórias?
Senão resquícios que os outros liberam para que nossos sensores captem?
Lembro-me do cheiro do hálito dela, do beijinho nos lábios a beira da cama
antes de dormirmos, lembro-me do toque suave, dos risos infantis eu apenas
lembro...
Porque pra quem fica só resta
isso, pra quem vai há um mundo novo a ser descoberto. O tempo será escasso
demais para que pare e pense em quem ficou.
- Eu lembro. Ela disse a mim.
Não sei se em sonho, não sei se
plantei dentro essa lembrança mal desenhada para sanar o tédio de quem está. As
confissões que ela me fez antes mesmo que eu tivesse vivência para aquelas
realidades naturalmente duras da vida rebatem em meu espírito até hoje. E me
sinto grata, grata pela credibilidade, grata pela confiança na minha capacidade
emocional. Ela me fez feliz, especialmente por tudo aquilo que disse.
- Nandinha. Chamava-me
enfaticamente amável e me sentia especial pelo nome no diminutivo, pelas
confissões, pelas explosões, pelas tempestades que vez ou outra lhe ocorriam. E
eu já amava alguém que jamais consegui compreender, eu amei sem total
entendimento e isso não sei explicar, apenas vi.
Não sei onde ela estará, nem sei
que luzes iluminam aqueles pés, mas sei dizer que lembro bem deles: dedos
alvos, unhas enterradas nos cantos. Foi isso que ficou pra mim, uns pedaços de
quem imagino que tu eras; uma lembrança inventada de quem tu seria hoje. Em mim
ficou o amor sem cálculo apenas.
Ananda Sampaio
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