28 de maio de 2014

Esconderijo da Delicadeza



By Fabrizia Milia
A delicadeza é o bom sentimento não dito. Que acaba se expressando no pouso do olhar, nos movimentos das mãos, na beleza do vento que assanha os cabelos. Ou talvez através do sorriso, daquele sorriso sincero.

Sempre gostei de caçá-la, ficar a espreitar e quem sabe guardar na minha memória pra sempre aquele momento.  Mas quase nada na vida é possível ser armazenado. A coisa mais delicada que já vi caber numa caixa é a bailarina da caixinha de música que toca la vie en rose. Nada mais.

Nunca tive a sorte de ser bailarina, nunca sequer ensaiei alguns passos ou flexionei meus músculos sonhando em ficar nas pontas dos pés. Porque somente depois dos trinta eu pude captar naquela figura toda a essência da delicadeza.

No mundo de concreto que vivo aquela saia da bailarina parece mentira, brinquedo ou fantasia. Somente Zelda pode ser uma bailarina tardia, uma poética bailarina fracassada. Tomada pela gravidade dos anos e da loucura.

E quanto a mim compartilho sim dessa mesma condição: a loucura tardia de sonhar ser uma bailarina. E rodopiar sobre um palco na Rússia na ponta dos pés e mostrar pra todos que posso ser a rainha da delicadeza.

Enquanto o sonho não vem compro a bendita caixinha de música em Paris. Ponho sobre a mesa, me ajoelho e cruzo paralelamente meus dois braços, com os olhos fixos naquela figurinha minúscula à procura de toda a delicadeza que pode haver em mim. 

Choro.

Descubro que muito dela perdi. Nas esquinas difusas do tempo, nos sentimentos atravessados e no exercício braçal que minhas mãos tiveram arcar, cheia de calos.

- Mas, calma as bailarinas têm os pés cheios de calos também. Embora cobertos pela sapatilha rosa com fita de cetim.

Deduzo que a delicadeza tem um preço. Talvez eu pudesse pagá-lo.

- Mas, afinal onde encontrá-la?

No sorriso da criança com sorvete na mão e a língua estendida. Na benção da minha avó. Na lambida quente do meu cão que molha meu rosto. Nos olhares que se entendem. No beijo quando o dia acaba de amanhecer. Nos corpos dormindo em conchinha sob o lençol. Na quentura do abraço materno. No sorriso longo e límpido. Na bailarina que desafia a gravidade e parece leve como pluma. Agora eu posso retê-la, quem sabe, em mim.

Ananda Sampaio
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