By Fabrizia Milia |
A delicadeza é o bom sentimento
não dito. Que acaba se expressando no pouso do olhar, nos movimentos das mãos,
na beleza do vento que assanha os cabelos. Ou talvez através do sorriso,
daquele sorriso sincero.
Sempre gostei de caçá-la, ficar a
espreitar e quem sabe guardar na minha memória pra sempre aquele momento. Mas quase nada na vida é possível ser armazenado.
A coisa mais delicada que já vi caber numa caixa é a bailarina da caixinha de
música que toca la vie en rose. Nada
mais.
Nunca tive a sorte de ser
bailarina, nunca sequer ensaiei alguns passos ou flexionei meus músculos sonhando
em ficar nas pontas dos pés. Porque somente depois dos trinta eu pude captar
naquela figura toda a essência da delicadeza.
No mundo de concreto que vivo
aquela saia da bailarina parece mentira, brinquedo ou fantasia. Somente Zelda
pode ser uma bailarina tardia, uma poética bailarina fracassada. Tomada pela
gravidade dos anos e da loucura.
E quanto a mim compartilho sim
dessa mesma condição: a loucura tardia de sonhar ser uma bailarina. E rodopiar
sobre um palco na Rússia na ponta dos pés e mostrar pra todos que posso ser a
rainha da delicadeza.
Enquanto o sonho não vem compro a
bendita caixinha de música em Paris. Ponho sobre a mesa, me ajoelho e cruzo
paralelamente meus dois braços, com os olhos fixos naquela figurinha minúscula à
procura de toda a delicadeza que pode haver em mim.
Choro.
Descubro que muito dela perdi. Nas
esquinas difusas do tempo, nos sentimentos atravessados e no exercício braçal
que minhas mãos tiveram arcar, cheia de calos.
- Mas, calma as bailarinas têm os
pés cheios de calos também. Embora cobertos pela sapatilha rosa com fita de
cetim.
Deduzo que a delicadeza tem um
preço. Talvez eu pudesse pagá-lo.
- Mas, afinal onde encontrá-la?
No sorriso da criança com sorvete
na mão e a língua estendida. Na benção da minha avó. Na lambida quente do meu
cão que molha meu rosto. Nos olhares que se entendem. No beijo quando o dia
acaba de amanhecer. Nos corpos dormindo em conchinha sob o lençol. Na quentura
do abraço materno. No sorriso longo e límpido. Na bailarina que desafia a
gravidade e parece leve como pluma. Agora eu posso retê-la, quem sabe, em mim.
Ananda Sampaio
***
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