17 de junho de 2014

Fruta mordida





Sinto saudade da disponibilidade do nosso corpo para as caminhadas de madrugada quando íamos comprar sanduíche. Nós, só nós. A pé, displicentes com o mundo.  Sinto saudade da quantidade de tempo que eu e minhas amigas tínhamos naturalmente, sem precisar verificar agenda ou horário. Férias de julho, andar de bicicleta, sentar na calçada e comer jambo, que já era nosso, furtávamos. Mas, frutas são frutas, nascem para serem comidas ou apodrecem.

Saudade da minha coragem ou pelo menos da minha falta de medo. Saudade de quando eu pensava que sabia de tudo e acreditava que a vida era um caminho reto, claro e óbvio. Hoje a vida é um caminho sempre ausente.

Saudade dos intermináveis banhos de piscina. Da batata frita e da ilusão de ser sereia. Saudade das risadas e das confissões mais íntimas livre de qualquer receio de julgamento. Estávamos sempre próximos uns dos outros, próximos o suficiente para eliminarmos os porquês. De quando a imaturidade me caia bem.
Saudade das minhas “despreocupações”. Do sabor da siriguela que comíamos sentadas no telhado da garagem. Saudade da falta de vergonha, de polidez, de palavras formais e autoexplicativas demais. Saudade de não me explicar.

Saudade da universidade, do sentimento de levar o mundo dentro do coração e de todo mundo caber dentro dele. Saudade das conversas, dos papos cabeça, das confidências e descobertas sexuais, das piadas e ironias nossas. Piadas internas.

Saudade do sabor da cerveja gelada no bar do João. Da felicidade de tirar um dez, saudade de pertencer aos outros. De sentir-se integrado. Saudade daquele sentimento forte, da amizade. Saudade da falta de horários, da improbabilidade da rotina.

De quando a loucura era necessária e saudável. E de quando podíamos romper com tudo, inclusive, com quem tínhamos sido até ali. Certeza que amanhã ou daqui a um segundo eu já poderia ser outra pessoa, sem medo ou condenações. Uma estranha em processo de estranhamento contínuo.


Saudade do vento no rosto, do calor depois da caminhada. Os pés fervilhando, minúsculas formigas me percorrendo. Dos abraços, dos bilhetinhos, dos desprendimentos todos. Da completa certeza que seríamos felizes sempre, sempre e sempre.

Ananda Sampaio
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