Sinto saudade da disponibilidade
do nosso corpo para as caminhadas de madrugada quando íamos comprar sanduíche.
Nós, só nós. A pé, displicentes com o mundo. Sinto saudade da quantidade de tempo que eu e
minhas amigas tínhamos naturalmente, sem precisar verificar agenda ou horário.
Férias de julho, andar de bicicleta, sentar na calçada e comer jambo, que já
era nosso, furtávamos. Mas, frutas são frutas, nascem para serem comidas ou
apodrecem.
Saudade da minha coragem ou pelo
menos da minha falta de medo. Saudade de quando eu pensava que sabia de tudo e
acreditava que a vida era um caminho reto, claro e óbvio. Hoje a vida é um
caminho sempre ausente.
Saudade dos intermináveis banhos
de piscina. Da batata frita e da ilusão de ser sereia. Saudade das risadas e
das confissões mais íntimas livre de qualquer receio de julgamento. Estávamos sempre
próximos uns dos outros, próximos o suficiente para eliminarmos os porquês. De
quando a imaturidade me caia bem.
Saudade das minhas “despreocupações”.
Do sabor da siriguela que comíamos sentadas no telhado da garagem. Saudade da
falta de vergonha, de polidez, de palavras formais e autoexplicativas demais. Saudade
de não me explicar.
Saudade da universidade, do
sentimento de levar o mundo dentro do coração e de todo mundo caber dentro
dele. Saudade das conversas, dos papos cabeça, das confidências e descobertas
sexuais, das piadas e ironias nossas. Piadas internas.
Saudade do sabor da cerveja
gelada no bar do João. Da felicidade de tirar um dez, saudade de pertencer aos
outros. De sentir-se integrado. Saudade daquele sentimento forte, da amizade. Saudade
da falta de horários, da improbabilidade da rotina.
De quando a loucura era
necessária e saudável. E de quando podíamos romper com tudo, inclusive, com
quem tínhamos sido até ali. Certeza que amanhã ou daqui a um segundo eu já
poderia ser outra pessoa, sem medo ou condenações. Uma estranha em processo de
estranhamento contínuo.
Saudade do vento no rosto, do
calor depois da caminhada. Os pés fervilhando, minúsculas formigas me percorrendo. Dos abraços, dos bilhetinhos, dos desprendimentos todos. Da completa
certeza que seríamos felizes sempre, sempre e sempre.
Ananda Sampaio
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário