Da minha janela eu ergo o outro. Da minha janela toco o
intocável e vejo o relógio de Dalí de cabeça para baixo. Da minha janela
constato minha ausência. Da minha janela, salto. E logo mais me amparo.
Da minha janela sem bordas ou dimensões adivinho o mundo.
Invento a realidade. Me dou conta da minha cegueira. Da minha janela vejo a
manhã nascer, recém nascida com ares macios e nebulosos.
Da minha janela enxergo o horizonte e a linha que se vê é
apenas um infinito campo de combinações. Da minha janela, rio que desce sobre
os tortuosos caminhos adiante. Sempre adiante.
Da minha janela, choro e lamento o indizível. Me calo e
espero. Da minha janela assisto ao espetáculo do mundo que não criei (será?).
Da minha janela construo meus palpites, desfaço minhas verdades.
Da minha janela enxergo um resto de mim a dançar sob domínio
do vento. Da minha janela aceno, faço sinal de fogo e finalmente me calo; já
disse tudo. Ou quase tudo, meu caro.
Da minha janela o mundo me toca. E eu finjo que toco o
mundo.
Da minha janela eu vi uma paisagem sem moldura. Eu me vi e
me espantei.
Da minha janela eu vi, vejo e verei. Mas nunca, nunca sei.
Porque faço da minha janela mãos, olhos, boca
e coração.
Ananda Sampaio
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário