27 de novembro de 2014

Invasões, terrenos e terreiros



Como será minha vida após essas páginas? As pessoas me invadem nos livros que leio, me invadem nos espaços que estou – as pessoas me invadem o tempo todo. Palavras doces, relatos entristecidos, relatos conformados. Descrições do mundo além do meu corpo e de toda minha capacidade de avançar o terreiro alheio.

Eu tento, me estico, me emociono, vem aos olhos às lágrimas. E digo sim, as limitações me definem e me definham – meu território é sempre invadido e eu permito. Permito o aperto de mão da velhinha com chapéu tentando proteger-se do sol que quase nunca dá trégua, permito que me acaricie, que me conte sua vida e seu cansaço.

Eu sinto, eu sofro, eu gosto. Nesses momentos transpasso a vida, os meus pequenos problemas e me sinto melhor. Pergunto, questiono e enfatizo:

- É mesmo?

- Sim, minha filha, a minha vida se deu assim. Desse jeito, lotada de batalhas e guerras, passamos por elas, sobrevivemos. E, ao final contamos. É o que nos resta, contar.

Eu me espanto, sempre me espanto. A vida sempre tem dégradés – milhões de sobretons e quando surge um novo, uma nova cor. Sinto o horror das imprevisibilidades e felicidade da infinitude de existir.

Existimos muitos, todos. Mas quantos de nós sabemos?

Enquanto ela, a senhora, me contava o relato imenso de sua vida eu apenas ouvia.E me perguntava, dentro de mim. Num lado abissal da minha alma, que naquele momento congelava e ardia.

-Terá valido a pena?

Não fiz a pergunta. Carreguei-a comigo até hoje. Tive medo. É uma pergunta séria demais.

- Ela levantou-se da cadeira com a bengala a segurar o corpo meio pendente e me disse seguindo de um beijo mão:

- Deus te abençoe, minha filha.

Não, eu não perguntei o nome dela e nem disse a ela o meu. Essa parte do diálogo àquele momento não nos pareceu interessante. Falávamos de coisas mais sérias e sobre quem ela tinha sido e sobre quem ela era agora, vítima de um câncer no reto... Os nomes ficaram para trás e apenas nosso rosto, espelho de nossas almas, nos foram suficientes.


 Ananda Sampaio

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