Como será minha vida após essas páginas? As pessoas me
invadem nos livros que leio, me invadem nos espaços que estou – as pessoas me
invadem o tempo todo. Palavras doces, relatos entristecidos, relatos
conformados. Descrições do mundo além do meu corpo e de toda minha capacidade
de avançar o terreiro alheio.
Eu tento, me estico, me emociono, vem aos olhos às lágrimas.
E digo sim, as limitações me definem e me definham – meu território é sempre
invadido e eu permito. Permito o aperto de mão da velhinha com chapéu tentando
proteger-se do sol que quase nunca dá trégua, permito que me acaricie, que me
conte sua vida e seu cansaço.
Eu sinto, eu sofro, eu gosto. Nesses momentos transpasso a
vida, os meus pequenos problemas e me sinto melhor. Pergunto, questiono e
enfatizo:
- É mesmo?
- Sim, minha filha, a minha vida se deu assim. Desse jeito,
lotada de batalhas e guerras, passamos por elas, sobrevivemos. E, ao final
contamos. É o que nos resta, contar.
Eu me espanto, sempre me espanto. A vida sempre tem dégradés
– milhões de sobretons e quando surge um novo, uma nova cor. Sinto o horror das
imprevisibilidades e felicidade da infinitude de existir.
Existimos muitos, todos. Mas quantos de nós sabemos?
Enquanto ela, a senhora, me contava o relato imenso de sua
vida eu apenas ouvia.E me perguntava, dentro de mim. Num lado abissal da minha
alma, que naquele momento congelava e ardia.
-Terá valido a pena?
Não fiz a pergunta. Carreguei-a comigo até hoje. Tive medo.
É uma pergunta séria demais.
- Ela levantou-se da cadeira com a bengala a segurar o corpo
meio pendente e me disse seguindo de um beijo mão:
- Deus te abençoe, minha filha.
Não, eu não perguntei o nome dela e nem disse a ela o meu.
Essa parte do diálogo àquele momento não nos pareceu interessante. Falávamos de
coisas mais sérias e sobre quem ela tinha sido e sobre quem ela era agora, vítima
de um câncer no reto... Os nomes ficaram para trás e apenas nosso rosto,
espelho de nossas almas, nos foram suficientes.
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