Há dias mais iguais que outros e
nesses dias a minha sombra cresce a ponto de me engolir. Meus membros seguem
movimentos premeditados junto com mãos e dedos numa coreografia meio homem meio
máquina.
Em alguns dias assim minha alma
se aparta de mim e viaja por aí. E assim um ser sem limite faz parte daqui.
Numa relação atarracada tento equilibrar a pessoa que sou e a que desejo ser, mesmo que com um gosto amargo quase sempre presente.
Na relação com o mundo – através das palavras ou do código gestual encontro muito mal entendido pelo caminho. Especialmente naquilo que digo. O silêncio é o melhor amigo de quem não deseja se comprometer. Cada palavra que falo, escrevo enreda um nó. E cada discurso deixa a marca de minha total contradição e incompreensão nos muros e murais da cidade que amanhece junto a mim. Nas ruas desertas e cheias de sentido.
Dentro, aqui, elas cozinham e frequentemente saem sem estar
prontas. Nunca estive pronta pra mim – quem dirá para o mundo. Face anódina, manchada de tempos idos [belos
tempos que não se acabam nunca]. Sobre os lábios nenhum batom. A boca é instrumento de proclamação. Duto para transmitir o que já é demais e me
salta. Estou sem fôlego.
Preciso escrever. Remendar os
farrapos. Ir adiante mesmo que com pés incertos e mãos suadas. A vida interpela
a todo instante: sinais, bloqueios, fragmentos e frases feitas. Estou só.
Ananda Sampaio
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