27 de abril de 2015

Fôlego


Há dias mais iguais que outros e nesses dias a minha sombra cresce a ponto de me engolir. Meus membros seguem movimentos premeditados junto com mãos e dedos numa coreografia meio homem meio máquina.

Em alguns dias assim minha alma se aparta de mim e viaja por aí. E assim um ser sem limite faz parte daqui. Numa relação atarracada tento equilibrar a pessoa que sou e a que desejo ser, mesmo que com um gosto amargo quase sempre presente.

Na relação com o mundo – através das palavras ou do código gestual encontro muito mal entendido pelo caminho. Especialmente naquilo que digo. O silêncio é o melhor amigo de quem não deseja se comprometer. Cada palavra que falo, escrevo enreda um nó. E cada discurso deixa a marca de minha total contradição e incompreensão nos muros e murais da cidade que amanhece junto a mim. Nas ruas desertas e cheias de sentido.

Dentro, aqui,  elas cozinham e frequentemente saem sem estar prontas. Nunca estive pronta pra mim – quem dirá para o mundo.  Face anódina, manchada de tempos idos [belos tempos que não se acabam nunca]. Sobre os lábios nenhum batom. A boca é instrumento de proclamação. Duto para transmitir o que já é demais e me salta. Estou sem fôlego.


Preciso escrever. Remendar os farrapos. Ir adiante mesmo que com pés incertos e mãos suadas. A vida interpela a todo instante: sinais, bloqueios, fragmentos e frases feitas. Estou só.

Ananda Sampaio

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