Quem nunca morou na própria impossibilidade
não sabe o que é sentir-se desabrigado. O voo é amador, mas é um voo. Mesmo sob risco constante de mais uma queda.
[A paisagem é minha].
A impossibilidade passa então a ser mais um
abismo atravessado, mesmo que de maneira atravancada. Morar na impossibilidade
é estar preso no purgatório – habitar um lugar que entre os quase vivos e
mortos não se salvam todos.
Os olhos atentos e globais do meu
gato me observam. Até ele parece acreditar numa solução [até ele quase sempre
tão alheio me diz sim]. O corpo pesa e sobre os ombros parte da minha vontade é
sentida. Parte da minha vontade se estende e se alavanca. Suspenso. Além das
rotas, dos dias e das tarefas. Levita, se interpõe e é quase dono de si. Quase
absoluto e quase consegue superar o mundo.
Quase.
É preciso perder a conta, perder
o medo, perder o chão, perder o controle. Por fim, perder-se labirinticamente. Perder a língua e a
fala. Fazer malabarismos de silêncio. Perceber que mesmo quando tudo está
quieto, ainda há movimento. O mundo está subcutâneo. A correr por debaixo da
terra. A vida mesmo quando calada se move nas pontas dos pés [ensurdecedora].
Atravesso desertos.
Ananda Sampaio
Um comentário:
"Fazer malabarismos de silêncio." Preciso comentar ? Estupendo!
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