Somente agora sinto pra valer os
reais impactos. Nesses dias o mundo tem entrado em mim pelas entranhas,
pelo coração, pelos corredores e pontes. Consigo sentir a textura das cinzas em
minha boca, mas não sinto o gosto, cinzas só têm saber de ontem. E do ontem só
lembrança.
Impelida desde quando as
pontas dos dedos dos pés tocam o chão no início do dia até quando meu corpo se
estira novamente sobre a cama. Não há sossego nem nos sonhos. Acordo e os
ombros já estão pesados das tarefas futuras.
Opacidade dos dias, capa sobre o
sol. Porque os prazeres, mesmo que pequeninos, são sempre adiados. Assim
termino guardando todos na minha caixinha dourada, embaixo da cama. Lençóis e
mais lençóis cobrem meu corpo – em cada uma dessas camadas descansa uma parte
de mim. Abaixo deles eu danço e uso as mãos como se fossem travesseiros e minha
consciência feito pedra repousa sobre elas. Minhas mãos são minhas mães.
Minhas mãos me abraçam, defendem
e destroem. Viver é destruição [embora a frase seja curta sua margem é longa]. É ali que repousam as minhas abnegações. Jóias, luzes e coisas.
Coisas e mais coisas que não dizem nada. Apenas destacam o espaço vazio e com
tantas coisas guardadas me sinto cada vez mais pedinte. Mais uma vez as mãos
se estendem, espalmadas, abertas, dedos retos. Caia do céu, dizem. Só quero
flores, chuva e calor. Nada melhor poderia cair do céu. Nada. Nada é a palavra
mais oca que encontrei no dicionário. Como uma mão que tenta segurar nuvens.
Minhas mãos em solitários acenos
se espraiam pelo mar, tocam a areia e não barram o vento. Giram na brisa – desenham na areia da praia com os dedos. Minhas mãos, minhas ordens, meus gestos, meu
avesso. Mãos que se agarram procurando um calor complacente. Mãos quase portões
das lágrimas. Mãos, guardiãs de mim.
Ananda Sampaio
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