12 de agosto de 2015

Franciscos


Eram todos “Franciscos”, só mudava o segundo nome, o que vinha em seguida. Eram cinco e além deles também havia elas, “Franciscas”. Deixados pela mãe que não podia resguardá-los, abandonados pela mãe que abdicou, inclusive de si própria.

Ao menos numa coisa ela acertou: os nomes. Todos cumprem a sina do Francisco, aquele famoso que nos fala da resistência do amor, da persistência de levá-lo aos cantos mais obscuros do mundo. Somente um nome como esse poderia salvar aquelas crianças de serem apenas mais uma tragédia mais comum do que já eram.

Abrigadas num abrigo que não é o de nascimento. Eles são confortados em braços estranhos, são alimentados por um pai ausente, invisível. Gravitam entre a magistral beleza da caridade e a cruel realidade do abandono.

Dos cinco apenas dois não foram levados para novos lares, lares burocráticos que os absorveu. Apenas dois restam. Provas vivas da dor de ser ainda mais só no mundo. A teoria que diz que quanto mais sozinhos, maior se torna o mundo se fez verdade na vida deles. O mundo adiante, ali próximo à porta é tão aterrador quanto o de dentro.

Não há primos para visitar e relembrar a infância. Não há bolo quentinho com café feito pela avó que adora cada visita, que cada dia se sente tão mais só. Não há muitas fotos, nem obviamente porta-retratos. O que há é uma predominância do vazio. Perguntas sem respostas, rejeições e imposições duras, frias e cruas. Um amargo oculto da vulnerabilidade humana.

E ainda o pouco de compadecimento que se tem é porque os Franciscos habitam corpos de anão e não de crianças. Talvez crianças de fato nunca tenham sido, nunca foram cuidados, antes de tudo tiveram que se cuidar. Barrados no portão da infância, não puderam entrar. A primeira lição foi como sobreviver com as próprias mãos. Sem seios para apalpar docemente. Sem mãos para acariciar e tranquilizar. A vida se apresenta como arame farpado, cercas e cercos.


Um deles, quando entro, delicia-se com um mamão. A fruta é da cor laranja, o suco lhe desce pelos lábios e ele a suga numa rapidez e numa precipitação despudorada. Como se ali estivesse a seiva de tudo que lhe falta. Suja as mãos, respinga na camisa desbotada de gola velha. Francisco gosta de mamão. Ao menos isso sobre ele, esse fato ameno e tão comum eu sei. Vou carregar comigo não o garoto deixado para trás, mas o garoto que gosta de mamão. Deus te guarde, Francisco. Só ele sabe... só ele sabe [repito infinitamente].

Ananda Sampaio

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