Eram todos “Franciscos”, só mudava
o segundo nome, o que vinha em seguida. Eram cinco e além deles também havia
elas, “Franciscas”. Deixados pela mãe que não podia resguardá-los, abandonados
pela mãe que abdicou, inclusive de si própria.
Ao menos numa coisa ela acertou:
os nomes. Todos cumprem a sina do Francisco, aquele famoso que nos fala da
resistência do amor, da persistência de levá-lo aos cantos mais obscuros do
mundo. Somente um nome como esse poderia salvar aquelas crianças de serem
apenas mais uma tragédia mais comum do que já eram.
Abrigadas num abrigo que não é o
de nascimento. Eles são confortados em braços estranhos, são alimentados por um
pai ausente, invisível. Gravitam entre a magistral beleza da caridade e a cruel
realidade do abandono.
Dos cinco apenas dois não foram
levados para novos lares, lares burocráticos que os absorveu. Apenas dois
restam. Provas vivas da dor de ser ainda mais só no mundo. A teoria que diz que
quanto mais sozinhos, maior se torna o mundo se fez verdade na vida deles. O
mundo adiante, ali próximo à porta é tão aterrador quanto o de dentro.
Não há primos para visitar e
relembrar a infância. Não há bolo quentinho com café feito pela avó que adora
cada visita, que cada dia se sente tão mais só. Não há muitas fotos, nem
obviamente porta-retratos. O que há é uma predominância do vazio. Perguntas sem
respostas, rejeições e imposições duras, frias e cruas. Um amargo oculto da
vulnerabilidade humana.
E ainda o pouco de compadecimento
que se tem é porque os Franciscos habitam corpos de anão e não de crianças.
Talvez crianças de fato nunca tenham sido, nunca foram cuidados, antes de tudo
tiveram que se cuidar. Barrados no portão da infância, não puderam entrar. A
primeira lição foi como sobreviver com as próprias mãos. Sem seios para apalpar
docemente. Sem mãos para acariciar e tranquilizar. A vida se apresenta como
arame farpado, cercas e cercos.
Um deles, quando entro,
delicia-se com um mamão. A fruta é da cor laranja, o suco lhe desce pelos
lábios e ele a suga numa rapidez e numa precipitação despudorada. Como se ali
estivesse a seiva de tudo que lhe falta. Suja as mãos, respinga na camisa desbotada
de gola velha. Francisco gosta de mamão. Ao menos isso sobre ele, esse fato
ameno e tão comum eu sei. Vou carregar comigo não o garoto deixado para trás,
mas o garoto que gosta de mamão. Deus te guarde, Francisco. Só ele sabe... só
ele sabe [repito infinitamente].
Ananda Sampaio
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