Nunca tinha tentado entender por
que me apaixonei pelas pessoas que me apaixonei. Talvez, hoje quando analiso
friamente e curvo meu corpo para trás consigo dizer o que vi em cada uma delas –
o que elas tinham que retiraram meus pés no chão. Em algumas encontrei
calmaria, pessoas que me rememoravam a sensação das férias de infância na casa
de praia. O ar salgado e grudento, o cheiro bom da pele, mistura de sal e
protetor solar, a sensação indescritível da proteção dos meus pais. A
impossibilidade do perigo.
Outras não me deixaram perceber
muito a que vieram. Antes que pudesse dizer algo sobre tais, essas pessoas
evaporavam e a conclusão é de que o segredo delas não me pertencia. Fui apenas
uma passagem, um abrigo mais ou menos seguro numa noite torrencial. Na verdade,
a maioria passou assim por mim. Enviesada, tímida, traços sem desenho, curvas sem sentido. Não
pude sequer enxergá-las direito. Caso lembrem de mim
agora, serei apenas uma dúvida entre a provável existência material e a
etérea e improvável existência de um sonho. Nada comprovado.
Uma delas eu vi. Pus os olhos e apreciei sua geografia. Era uma locomotiva descarrilada,
correndo insanamente rumo à colisão. Pessoas que parecem andar de peito rasgado,
expondo sua organicidade emocional, sem nenhuma noção da extrordinariedade daquilo. Malabaristas conscientes do circo da
vida. Claudicantes. Clowns.
Os olhos grandes eram confortados por sobrancelhas espessas e firmes. Embora não goste de me ater a essas
descrições físicas – contudo, preciso dizer. Honestamente, aprecio os traços da alma, os sistemas sanguíneos,
as moradas que guardam inúmeros jardins suspensos dentro de nós. Locais onde
subsiste a verdadeira vida. E ela abriu para mim, rasgou a pele, olhou nos
olhos e permitiu contemplar todas as dores e amores encravados naquele
território vasto e sem domínio.
“O importante é perder o domínio
de si” – ela me aconselhou.
“A falta de domínio pode nos
levar a loucura... Nunca conheci alguém que quisesse ficar louco” - retruquei assustado.
“Tenho mais medo daqueles que
escolhem a sanidade. Esses devem ser loucos pra caramba” – ela disse e riu.
Eu me comprazi. Concluí que
adentrar os territórios alheios é perder-se. Só assim compreendi que meu prazer
não estava em rastrear o outro, mas em descobrir a mim mesmo. Na verdade, tudo
que eu quis foi identificar minha própria loucura e somente agora sei que há
anos já vivia de mãos dadas com ela.
Ananda Sampaio
Nenhum comentário:
Postar um comentário