26 de agosto de 2015

Transpor


Nunca tinha tentado entender por que me apaixonei pelas pessoas que me apaixonei. Talvez, hoje quando analiso friamente e curvo meu corpo para trás consigo dizer o que vi em cada uma delas – o que elas tinham que retiraram meus pés no chão. Em algumas encontrei calmaria, pessoas que me rememoravam a sensação das férias de infância na casa de praia. O ar salgado e grudento, o cheiro bom da pele, mistura de sal e protetor solar, a sensação indescritível da proteção dos meus pais. A impossibilidade do perigo.

Outras não me deixaram perceber muito a que vieram. Antes que pudesse dizer algo sobre tais, essas pessoas evaporavam e a conclusão é de que o segredo delas não me pertencia. Fui apenas uma passagem, um abrigo mais ou menos seguro numa noite torrencial. Na verdade, a maioria passou assim por mim. Enviesada, tímida, traços sem desenho, curvas sem sentido. Não pude sequer enxergá-las direito. Caso lembrem de mim agora, serei apenas uma dúvida entre a provável existência material e a etérea e improvável existência de um sonho. Nada comprovado. 

Uma delas eu vi. Pus os olhos e apreciei sua geografia. Era uma locomotiva descarrilada, correndo insanamente rumo à colisão.  Pessoas que parecem andar de peito rasgado, expondo sua organicidade emocional, sem nenhuma noção da extrordinariedade daquilo. Malabaristas conscientes do circo da vida. Claudicantes. Clowns.

Os olhos grandes eram confortados por sobrancelhas espessas e firmes. Embora não goste de me ater a essas descrições físicas – contudo, preciso dizer. Honestamente, aprecio os traços da alma, os sistemas sanguíneos, as moradas que guardam inúmeros jardins suspensos dentro de nós. Locais onde subsiste a verdadeira vida. E ela abriu para mim, rasgou a pele, olhou nos olhos e permitiu contemplar todas as dores e amores encravados naquele território vasto e sem domínio.

“O importante é perder o domínio de si” – ela me aconselhou.

“A falta de domínio pode nos levar a loucura... Nunca conheci alguém que quisesse ficar louco”  - retruquei assustado.

“Tenho mais medo daqueles que escolhem a sanidade. Esses devem ser loucos pra caramba” – ela disse e riu.


Eu me comprazi. Concluí que adentrar os territórios alheios é perder-se. Só assim compreendi que meu prazer não estava em rastrear o outro, mas em descobrir a mim mesmo. Na verdade, tudo que eu quis foi identificar minha própria loucura e somente agora sei que há anos já vivia de mãos dadas com ela.

Ananda Sampaio

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