Tentei relatar minha vida pelo
avesso para que ela fizesse mais sentido ou desistisse de vez de fazer sentido
e não fizesse sentido nenhum. Zero a esquerda, zero a direita. Um vácuo oval –
que mesmo quando desaparece deixa mensagem. Não tem jeito, não se apaga uma
existência assim. Ela fica impregnada nas paredes, contornada nas cartas,
desenhada nos gestos, perdida nas ruas. E brilha mais quando morre, como a
morte espalhafatosa de uma estrela.
Preciso escrever e ratificar
algumas questões, quando morrer quero deixar minha voz ecoando. Canto de
sereia, canto gregoriano ou ainda Caetano. Preciso deixar herdado para alguém o
verbo de mim. Contudo, não consigo. Confundo as palavras, não sei usá-las, não
estão bem encaixadas, os adjetivos não são redondos e as frases quase mortas,
anêmicas de efeito.
Na vida não há precisão. Não preciso
disso – só queria um relato bonito e fresco como o orvalho que recai sobre a
flor na manhã. Não preciso de verdade, nem de resultado. Exploda exatidão! Te
odeio, te odeio e te odeio. Vou pular de capítulo, ler detrás para frente, como
os japoneses. Sem linhas, mesmo que a reta seja infinita, eu faço bico e digo não.
Quero as palavras, mesmo que mudas, quero as palavras totalmente loucas. Quero
as palavras mesmo que me foda.
Quero escrever a minha vida que
finge. A vida que está por debaixo da sombra do meu guarda-sol.
Não precisa ser
minha, só quero escrevê-la. Rogo ao Senhor das palavras, ao dono da sintaxe, da
semântica – não me deixe, não me deixe. Tenho que botar pra fora o monstro que
me deleta. Tenho que delatar o ladrão soturno que me esvai e se atira sobre mim
em busca de mais. Não posso levar o coração a mão, preciso proteger, preciso
dizer. Dizer tudo, mesmo que o resultado sempre pareça se aproximar do
inexistente. Afinal, existir é também desaparecer. Ou pelo menos tentar.
Grite aos outros:
- Deixe-me ir que tenho pressa.
Ananda Sampaio
2 comentários:
agora que descobri que tu temblog, vou seguir de pertinho <33333
"Exploda exatidão !"
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