14 de setembro de 2015

Prensa



Tentei relatar minha vida pelo avesso para que ela fizesse mais sentido ou desistisse de vez de fazer sentido e não fizesse sentido nenhum. Zero a esquerda, zero a direita. Um vácuo oval – que mesmo quando desaparece deixa mensagem. Não tem jeito, não se apaga uma existência assim. Ela fica impregnada nas paredes, contornada nas cartas, desenhada nos gestos, perdida nas ruas. E brilha mais quando morre, como a morte espalhafatosa de uma estrela.

Preciso escrever e ratificar algumas questões, quando morrer quero deixar minha voz ecoando. Canto de sereia, canto gregoriano ou ainda Caetano. Preciso deixar herdado para alguém o verbo de mim. Contudo, não consigo. Confundo as palavras, não sei usá-las, não estão bem encaixadas, os adjetivos não são redondos e as frases quase mortas, anêmicas de efeito.

Na vida não há precisão. Não preciso disso – só queria um relato bonito e fresco como o orvalho que recai sobre a flor na manhã. Não preciso de verdade, nem de resultado. Exploda exatidão! Te odeio, te odeio e te odeio. Vou pular de capítulo, ler detrás para frente, como os japoneses. Sem linhas, mesmo que a reta seja infinita, eu faço bico e digo não. Quero as palavras, mesmo que mudas, quero as palavras totalmente loucas. Quero as palavras mesmo que me foda.

Quero escrever a minha vida que finge. A vida que está por debaixo da sombra do meu guarda-sol. 
Não precisa ser minha, só quero escrevê-la. Rogo ao Senhor das palavras, ao dono da sintaxe, da semântica – não me deixe, não me deixe. Tenho que botar pra fora o monstro que me deleta. Tenho que delatar o ladrão soturno que me esvai e se atira sobre mim em busca de mais. Não posso levar o coração a mão, preciso proteger, preciso dizer. Dizer tudo, mesmo que o resultado sempre pareça se aproximar do inexistente. Afinal, existir é também desaparecer. Ou pelo menos tentar.

Grite aos outros:

- Deixe-me ir que tenho pressa.


Ananda Sampaio


2 comentários:

. disse...

agora que descobri que tu temblog, vou seguir de pertinho <33333

Unknown disse...

"Exploda exatidão !"